Dia da mãe é este ano.
O ano passado não contou que o meu puto estava no bucho, não chateava ninguém.
Sou daquelas que nunca sentiu o apelo da maternidade a pulsar feito doido. Até este pequeno milagre nascer não me estava a ver neste papel tão fácil na mesma proporção da sua imensa dificuldade.
Só quando o vi pela primeira vez, nascido algum tempo antes do termo, é que me apercebi, que coisa engraçada, que o meu coração afinal não tem tamanho, que saiu do sítio e não vejo maneiras de lá o enfiar de novo. Agora anda feito parvo, pendurado do lado de fora, sempre em sobressalto e ainda agora a procissão vai no adro.
Fiquei sem tempo. Sem tempo para lamentos, sem tempo para dramas. As suas conquistas, pequeninas até agora, tomam-me a maior parte das alegrias, da vida e nunca tive tempo tão bom.
Curiosa dualidade. Se por um lado tenho saudades de dormir sem me levantar várias vezes por noite, por outro já não me lembro como era viver sem ele, o responsável de tudo ter mudado de sítio. O grande culpado de ter começado a achar graça a grandes mudanças. Depois tive a sorte de ter o puto mais bem disposto de todo o sempre. E mais giro também. Não há manhã que não acorde a rir, não há refeição que não faça com a maior alegria do mundo, noite que não adormeça com a calma que lhe passo, sei eu lá como.
Comecei a perceber que isto de ser mãe não ia ser pêra doce quando desconfiei que se calhar não íamos chegar nem perto das quarenta semanas. O trabalho que tanto me consome, este país não é para mães trabalhadoras, foi o principal motivo para o meu não sossego na gravidez. As mais de doze horas diárias de labuta não ajudaram à festa e eu ai é?, toma lá uma carta de despedimento que eu não estou para estas merdas. E depois passou mais um dia, depois outro, depois mais uma semana e mal passámos a barreira que o Dr estipulou como segura, tudo correu tão bem que já tive cafés mais difíceis que o meu parto. Não quis epidural, não quis nada. Não que seja alguma heroína ou algo do género. Sou até uma grande cagona se querem saber. Aliás, foi por isso mesmo não quis cá nenhuma agulha perto da coluna, valha-me deus que coisa medieval. Doeu para cacete. Não sei localizar a dor, não a consigo quantificar, mas porra, se doeu. Gritei muito, ó lá se gritei. Que me queria ir embora, que não estava para aquilo, que ainda faltava deixem-me ir gritar para casa que depois volto, mas qual quê?, dali já não me deixaram sair sem o puto ao colo. Sim, colo. Tooooodos os dias há muito colo, muito mimo, muita paneleirice boa. Não quero ser uma mãe exemplar, quero ser uma mãe como a que tenho, a minha mãe, que não sendo perfeita, é a melhor que qualquer uma das mães que existe. Quero que o meu puto tenha memórias fantásticas da sua infância tal qual eu tenho da minha.
A minha mãe tem um sentido de humor sacana, o dobro do meu, na nossa escala de sacanice, e num belo dia de primavera decidi rapar a minha sobrancelha esquerda. Preparava-me para rapar a direita quando a minha mãe interrompeu cirúrgico processo. Já não me deixou prosseguir. Para eu perceber que aquela merda não cabia na cabeça de ninguém, deixou-me andar só com uma sobrancelha e durante muuuuuito tempo fui a risota à mesa, na hora das refeições. Sempre me dei muito bem com o facto de ser alta palhaça, maneiras que até achei divertido. Gostei da experiência, sempre tive tendência para cenas alternativas. E esta é a maior mágoa que guardo da minha mãe: se me tivesse deixado acabar o serviço, hoje tinha duas sobrancelhas rebeldes. Assim, só tenho uma. O que é chato.
Tenho mãe e sou mãe. Assusta-me o pouco tempo que tenho para estar cá sobretudo para eles os dois. Estou a entrar nos quarenta e de vez em quando confesso que fico depressiva com este assunto. Tenho de ir ver disto, bem sei.
As mães deviam ser eternas, caramba. A minha mãe é muito mãe e se me faltar, o meu filho só vai poder contar com meia de mim e isso é que não!
Ser filha e mãe traduz-se em textos paneleiros.
E em chorar ao escrevê-los.